domingo, 15 de agosto de 2010

Galeria de arte 12


Nudez 
Carlos Drummond de Andrade

Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive,
nunca celebrei.
 

Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse,
ofertaria a pobres.
 

Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.
 

Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que se amava.
 

Nem era dor aquilo que doía:
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
 

Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
 

Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
 

Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.
 

Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
 encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
 

O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
 

E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos;
 

o perfeito
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.
 

♠♠♠

O Fotógrafo

4 comentários:

  1. Você, sela lá quem for, é um imenso Poeta!!!

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  2. As vezes é oportuno o anonimato na net, mas como esta ausência de "nome" não se justificaria com a colocação de belas palavrtas com belas imagens... Sou o editor deste blog: Paulo Franco, paulistano, 42 anos, Engenheiro Eletrônico e blogueiro. Vlw pelo elogio.

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  3. Com tanta nudez pornografica na net...
    ...como é bom ter o seu ponto de vista.
    A arte...à arte...há arte.

    Obrigado por tanta coisa bonita.

    Rogério Saddi

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  4. é estranho quase só ter a nudez masculina neste site... Acho que, para haver imparcialidade, deveria mostrar a nudez de ambos. Isso traria um olhar não-sensualizante. Já que não é assim, a impressão que dá é de que isso é um site pornográfico com uma inocência de faixada.

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